segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Zaratustra – Nietzsche – Prólogo – Capítulo II

Texto na Integra:
II
Zaratustra desceu só da montanha, sem encontrar ninguém. Mas ao chegar à floresta, viu-se de súbito diante de um ancião, que deixara a sua sagrada choça para ir à procura de raízes silvestres. O ancião dirigiu a Zaratustra estas palavras: “Este viandante não me é desconhecido; há muitos anos o vi passar por aqui. Então se chamava Zaratustra; mas agora está mudado.
Naquela época, levavas tuas cinzas para o monte. Queres agora trazer teu fogo para o vale? Não temes o castigo que sofre o incendiário?
Sim, reconheço Zaratustra. Seu olhar é límpido, e sua boca não encerra mágoas. Não caminha como um dançarino?
Zaratustra está mudado, Zaratustra fez-se criança, Zaratustra é homem desperto: que procuras agora entre os que dormem?
Vivias na solidão como no mar, e esse mar te levava. Pobre de ti, queres acostar? Queres de novo, infeliz, arrastar teu próprio corpo?”
Zaratustra respondeu: “amo os homens”
“Por que pensas”, disse o santo, “que busquei a floresta e o deserto, senão porque amava demasiadamente os homens?
Agora, amo a Deus; e não aos homens. Acho por demais imperfeito o ser humano. O amor aos homens me faria perecer.”
Zaratustra respondeu: “Por que falei de amor? Na realidade, trago aos homens um presente!”
“Não lhe dês nada”, disse o santo. “É preferível aliviá-los de alguma coisa que possas carregar com eles – será o que de melhor farás em seu favor se acaso isso te satisfazer!
Se insistes em dar-lhes um presente, que não seja nada mais do que a esmola, e, mesmo assim, depois de a mendigarem!”
“Não”, respondeu Zaratustra, “não lhes darei esmolas. Não sou bastante pobre para isso.”
O santo riu de Zaratustra e lhe falou assim:
“Então, procura fazer com que aceitem teus tesouros! Desconfiam dos eremitas e não querem acreditar em nossas dádivas.
Para eles, nossos passos soam por demais solitários nas vielas. De tal forma que, à noite, ao ouvirem, já no leito, andar lá fora um homem, muito antes do raiar do sol, perguntam-se com certeza: “aonde irá esse ladrão?”
Não busques os homens, e fica na floresta! Vai antes ter com os animais! Por que não queres ser o que eu sou: um urso entre os ursos, um pássaro entre os pássaros?”
“E que faz o santo na floresta?”, perguntou Zaratustra.
O santo respondeu: “Componho canções e conto-as, e quando componho canções, rio, choro, e murmuro: é assim que louvo a Deus.
Contando, chorando, rindo e murmurando, louvo a Deus que é meu Deus. Mas, afinal, que nos trazes de presente?”
A essas palavras, Zaratustra saudou o santo, dizendo-lhe: “Que teria eu para vos dar? Mas deixai-me partir depressa, antes que vos tire algum coisa!” E assim se separaram, o ancião e o homem, a rir como dois jovens.
Mas quando Zaratustra ficou só, falou consigo mesmo; “Como é possível? Esses santo ancião na sua floresta não sabe ainda que Deus está morto?”

Comentários:
A morte de Deus anunciada não é, evidentemente, a pregação do ateísmo, na verdade Nietzsche não demonstra tentar provar a existência ou não do divino, entretanto ele quer transparecer que a existência de Deus não é importante para o ser humano, Deus não está aqui e agora, e não precisamos dele para viver nossas vidas. As descobertas científicas durante o século XIX fizeram Deus perder poder sobre nossas decisões. Nietzsche quer acabar com nossa noção de “além”, devemos viver o presente, o agora, e não mais viver para uma vida após morte ou paraíso, ou qualquer que seja sua noção de divindade.
Nossa cultura é baseada na noção de vida após morte, entre mundo físico e mundo divino, este dualismo é atacado pelo autor, pois esta visão é fundamentalmente negativa, já que o mundo físico não vale nada, tudo nele é ilusão, pecado e angustia. Para Nietzsche o fim deste dualismo traz luz aos homens, quando ele diz: “amo os homens” ele prega uma cultura positiva e afirmativa. A alegria do autor com a “Morte de Deus” é uma posição positiva em relação à vida e a nossa existência, temos agora uma nova metafísica, baseada na alegria, no pensamento positivo e na ação criativa do homem para o presente.
Outra crítica do autor a moral cristã é percebida quando Zaratustra sugere que veio aliviar os homens do peso, do fardo que carregam por causa das instituições religiosas e do espírito mau, culpado, maculado e originalmente pecador que Jesus nos deixou.
Zaratustra diz: “trago aos homens um presente”, este presente traz uma reabilitação, à volta ao próprio homem, uma desalienação, a restituição ao homem de sua honra perdida. Mas também traz um fardo grande embutido, o da responsabilidade sobre suas decisões de agora em diante.

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