De repente, ninguém mais morreria.
Não haveria mais a figura da morte. E a velhice chegaria, mas de uma forma diferente, “programada”, lenta...
Não é uma coisa impossível. Até mesmo Saramago já imaginou um país em que as pessoas pararam de morrer. A morte suspendeu suas atividades.
Ao imaginar isso, já me delicio ao imaginar as milhares de coisas e loucuras poderiam ser finalmente realizadas – e todos aqueles livros que ainda não li, e as viagens que não fiz, as coisas que não disse....
Àqueles que já são capazes de se deslumbrar com a vida, àqueles que já possuem o espírito cheio de mundo, vivências, virtudes, imaginação... Para esses, a possibilidade de vida eterna seria uma dádiva, todo o conhecimento, a ser adquirido, todo o amor que poderia ser vivido e todas as possibilidades que seriam criadas...
Pessoas normais se transformando em pessoas extraordinárias.
No entanto, imortalidade não é promessa de harmonia, ou vida mais tranqüila.
Digo isso, porque pensei no homem-comum, aquele que retiramos de nossos pensamentos e acrescentamos em preces diárias (mais um problema pra deus – se é que existe – resolver). Pensei no excluído, no miserável, que não tem onde morar, nem o que comer. A vida sem tempo lhe daria chance de mudança? Em que a imortalidade ajudaria esse homem?
Pra muita gente, o tempo não resolve nada.
A tal da vida eterna não transforma a essência da pessoa. Aqueles que se servem da maldade, continuariam malvados, os perdulários, continuariam gastando, e o homem que mendiga continuaria miserável.
Seria justo condenar um homem de rua à uma vida eterna de esmolas, intempéries e maus tratos? Não acredito que pelo simples motivo de poder viver eternamente, ele seria capaz de se erguer da margem da sociedade e se incluir. Não se tornaria cidadão, nem deixaria de ser invisível para os outros.
A imortalidade socorre a quem tem riqueza de espírito. Ela só seria um benefício para quem tem uma desavença com a pressa do tempo, já que é ele que nos avisa que estamos acabando, que as coisas perecem.
Viver é bom demais. Porque haveria de ter fim? (como Zorba, que gritou: “Um homem como eu, deveria viver mil anos”).
A imortalidade acabaria com a angústia de haver um final. Traria a sabedoria num momento da vida em que ainda se teria forças para aproveitá-la. Abraçaríamos a multiplicidade de desejos. Não haveria pressa em resolver tantas questões. (se bem que ainda seria muito bom ouvir um “quero você aqui e agora”, pra essas coisas, a eternidade não tem influência nenhuma).
Mas a imortalidade não é um dos meus desejos.
Porque o tempo é culpado pelas mudanças. É ele que instiga as loucuras, as aventuras... O tempo urge. Talvez até nos faça amar mais... Amamos como quem já se despede. Queremos estar junto o tempo todo. Pra não acabar.
A morte é necessária, faz parte da vida. Chegada e partida.
Tenho medo da eternidade. O “pra sempre” cansa. O que você seria capaz de fazer por toda a vida sem se cansar?
Com a imortalidade, muitas coisas perderiam a importância. Há coisas que são bonitas porque são findas. A eternidade nos roubaria essas belezas.
E acredito que a beleza de certas coisas é capaz de conferir a elas o título de eternas. Há músicas eternas, peças eternas, quadros eternos, pessoas eternas.
Enquanto a ciência não nos apresenta uma possibilidade real de eternidade, podemos almejar a imortalidade conquistada com a beleza. Ter uma história de vida boa, talvez consiga nos conferir um pouco de imortalidade, na lembrança daqueles que amamos.
Gosto do diálogo com a morte, do livro de Saramago:
- “Vc não é a vida”.
- “Sou muito menos complicada que ela”.
Por Fernanda Amaral
História: liga criada em 1780, por Henriette Herz na Alemanha com o propósito da virtude e produto das idéias iluministas, pregava a igualdade de todos os seres humanos. Era um local onde intelectuais se reuniam uma vez por semana para falar sobre Deus, política e sobre seus sentimentos. Re-criada em 13 de março de 2009 em Salvador, Brasil, para a expressão livre de pensamento baseada na razão.
Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirConcordo com muitas coisas que vc escreveu, mas fico triste ao ver que vc acredita pouco na força de vontade das pessoas pela mudança. Desculpe, mas discordo totalmente de vc quando diz: “A tal da vida eterna não transforma a essência da pessoa. Aqueles que se servem da maldade, continuariam malvados, os perdulários, continuariam gastando, e o homem que mendiga continuaria miserável."
Acredito que a imortalidade poderia dar a estas pessoas o empurrão para querer mudar a sua vida, às vezes ter uma vida eterna poderia ser forma de incentivo (uma esperança para mudar sua realidade). Acredito na capacidade de crescimento das pessoas e acho que até os "malvados" podem criar consciência e querer experimentar outras coisas... a eternidade poderia abrir muitas portas...
Existem pessoas miseraveis que aos sessenta anos aprendem a ler e escrever. Como não acreditar que estas pessoas com uma vida eterna poderiam mudar sua realidade??
As pessoas não são estáticas, acredito na metamorfose.