sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Zaratustra – Nietzsche – Prólogo – Capítulo I

Texto na Íntegra
I
Quando tinha trinta anos, Zaratustra deixou sua terra natal, e o lago de sua terra natal, e foi para as montanhas. Lá, durante dez anos, cultivou seu espírito e a solidão. Mas por fim, seu coração se transformou – e levantando-se, um dia, com a aurora, pôs-se diante do sol e lhe falou assim:
“Grande astro! Qual seria tua felicidade sem aqueles a quem iluminas?
Há dez anos que vem subindo até a minha caverna; já te terias cansado de dar a tua luz e descrever este percurso se aqui não estivéssemos nós, eu, minha águia e a serpente.
Mas, a cada manhã, nós te esperávamos e te aliviávamos de teu excesso, abençoando-te por isso.
Vê! Estou saturado de minha sabedoria, como a abelha que acumulou demasiado mel; anseio por mãos que se estendam.
Quero oferecer e partilhar, para que os sábios entre os homens de novo se rejubilem de sua loucura, e os pobres venham de novo a amar sua riqueza.
Preciso, pois, descer ao mais profundo, como fazes à noite, ao mergulhares por trás do mar, levando tua luz ao mundo inferior, ó astro exuberante!
Como tu, é necessário que eu “decline” para falar como os homens aos quais quero descer.
Abençoa-me, pois, olho sereno, tu que podes contemplar sem mágoa uma ventura tamanha!
Abençoa este cálice que anseia transbordar para que dele escorra a água dourada capaz de levar a toda a parte o reflexo de tua fruição!
Vê! Este cálice quer de novo esvaziar-se, e Zaratustra quer de novo ser homem.”
-Assim começou a declínio de Zaratustra.

Comentários:Neste primeiro capitulo Nietzsche começa a descrever como será as linhas do pensamento do autor e como é sua forma literária, a da linguagem poética. Primeiramente precisamos entender porque o autor escolheu Zaratustra.
Zaratustra era um profeta iraniano do século VII antes de cristo que inventou o dualismo moral entre o bem e o mal, não o bem ou mal humano e sim o teológico ou divino, para ele existia o Deus bom e o Deus mal. Zaratustra foi o primeiro profeta a pregar um dualismo e um moralismo que serviram de herança para a Bíblia e a Grécia antiga e que impregnam nossa cultura até hoje.
O ponto importantíssimo é que este dualismo é a chave central do pensamento de Nietzsche e para justamente criticar profetas, como Zaratustra e Jesus Cristo, que Nietzsche escolheu Zaratustra para opô-lo a Zaratustra. Seria interessante ressaltar que a obra do autor não colhe a recusa como algo negativo, toda sua obra nos traz algo positivo e de transformação. Para ele a recusa da realidade humana é o primeiro passo para esta transformação a algo muito melhor.
Profetas, em geral, têm momentos de reflexão e de reclusão, e o autor faz justamente esta relação no capitulo I, e por um momento de chamamento divino, estes descem a montanha e vem falar com as ovelhas (nós).
Interessante é como o autor usa a comparação em forma de metáforas. Jesus Cristo aos 30 anos desceu as margens do rio Jordão e começou sua vida pública. A obra platônica utiliza a alusão da caverna para separar o mundo metafísico, das idéias, e do mundo ilusório. Portanto Nietzsche ataca no nível mais alto: Jesus Cristo e Platão
O sol faz o papel de Deus, na verdade em muitas culturas e religiões o sol é o Deus maior, conversar com ele é dialogar com o divino.
Outro ponto interessante é a figura da águia e da serpente. A serpente se liga ao fato do realismo, ser rastejante, terreno, racional e que liga a figura do mal bíblico (Gênese). A águia é a figura do ideal platônico, do idealismo e também podemos relacioná-la com o Deus bom (Júpiter e sua Águia). Veremos em todo o texto de Nietzsche a critica radical a este dualismo totalmente impregnado em nossa cultura e nossos valores.
O autor termina o texto com a frase “Assim começou o declínio de Zaratustra”, portanto começa a grande jornada humana, a da transformação do homem num outro ser, menos ligado a razão e a fé divina. O Declínio de Zaratustra inicia a mutação do mesmo, de um ser voltado ao divino, por ser profeta e ao racionalismo, pelos momentos de reflexão sozinho nas montanhas.
Como será este novo ser?
Aguardem próximos capítulos e que comece o diálogo com o mesmo.

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