segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Cachorros de Palha – Prefácio – 2º parte

Segue a segunda e ultima parte do prefácio do livro Cachorros de Palha – John Gray.
Em [ ] meus comentários.

Prefácio – 2º e última parte
Entre filósofos contemporâneos, é uma questão de orgulho ser ignorante em teologia. Por conseqüência, as origens cristãs do humanismo secular raramente são compreendidas. No entanto eram perfeitamente claras para os seus fundadores. No inicio do século XIX, os positivistas franceses Henri Saint-Simon e Auguste Comte inventaram a Religião da Humanidade, uma visão de uma civilização universal baseada na ciência; o positivismo tornou-se o protótipo das religiões políticas do século XX. Através do impacto que tiveram sobre John Stuart Mill, fizeram do liberalismo o credo secular que é hoje. [o pior é que sou um dos maiores defensores do liberalismo] Através da profunda influencia que exerceram sobre Karl Marx, ajudaram a moldar o “socialismo científico”. Mas ironicamente, pois Saint-Simon e Comte eram críticos ferozes do laissez-faire econômico, também inspiraram, no final do século XX, o culto do livre mercado global. Contei essa história paradoxal, e com freqüentes traços de farsa, em meu livro Al-Qaeda e o significado de ser moderno.
O humanismo não é ciência, mas religião [olhem só a afirmação dele] – a crença pós-cristã de que os humanos podem fazer um mundo melhor do que qualquer outro em que tenham vivido até agora. Na Europa pré-cristã assumia-se que o futuro seria igual ao passado. O conhecimento e a invenção poderiam avançar, mas a ética permaneceria basicamente a mesma. A história era uma série de ciclos, sem nenhum significado geral. [não tinha a menor idéia disto, sempre imaginamos um mundo em progresso, assim como a humanidade, isto está tão entranhado em nossa cultura que não conseguimos enxergar o contrário]
Contra essa idéia pagã, os cristãos entenderam a história como uma narrativa sobre o pecado e a redenção. O humanismo é a transformação dessa doutrina cristã da salvação em um projeto de emancipação humana universal. A idéia de progresso é uma versão secular da crença cristã na providencia. É por isso que era desconhecida entre os antigos pagãos. [tudo isto é novo para mim, na verdade ainda tenho minhas dúvidas nesta afirmação, o homem tem dentro de si uma vontade muito grande em se superar e isto o levar a acreditar no seu progresso, pode ser enganoso, mas não é totalmente uma imposição da herança cristã]
A crença no progresso tem uma outra fonte. Na ciência, o crescimento do conhecimento é cumulativo. Mas a vida humana, como o todo, não é uma atividade cumulativa; o que se ganha numa geração pode ser perdido na próxima. Na ciência, o conhecimento é um bem puro; na ética e na política, tanto pode ser um bem quanto um mal. [ vejam bem aonde ele quer chegar] A ciência aumenta o poder humano – e amplia as imperfeições da natureza humana. Ela nos permite viver mais e ter padrões de vida mais elevados do que no passado. Ao mesmo tempo, permite-nos causar destruição – uns aos outros, e à própria Terra – numa escala jamais vista.
A idéia de progresso baseia-se na crença em que o crescimento do conhecimento e o avanço das espécies caminham juntos – se não agora, pelo menos a longo prazo. O mito bíblico da Queda do Homem contém a verdade proibida. O conhecimento não nos torna livres. [contradiz todos os meus textos no blog] Ele nos deixa como sempre fomos, vítimas de todo tipo de loucura. A mesma verdade é encontrada no mito grego. A punição de Prometeu, acorrentado a uma rocha por ter roubado o fogo dos deuses, não foi injusta.
Se a esperança no progresso é uma ilusão, como – pode-se perguntar – haveremos de viver? A pergunta parte do princípio de que os humanos podem viver bem apenas se acreditarem que tem o poder de refazer o mundo. [falta idéia de esperança eterna que temos] No entanto a maior parte dos humanos que já existiram não acreditava nisso – e um grande número teve vidas felizes. A questão presume que o objetivo da vida seja a ação, mas isso é uma heresia moderna. Para Platão, a contemplação era a mais elevada forma de atividade humana. Uma idéia semelhante existia na Índia antiga. O objetivo da vida não era mudar o mundo. Era enxergá-lo corretamente. [o autor acaba de jogar um balde de água fria em mim, sempre tive a idéia de que viver a vida por viver era inútil e ignorante e que o conhecimento nos liberta. Percebam que o autor é inteligentíssimo e extremamente pessimista em relação à história humana. Ele nos relega o papel de apenas outro animal na terra, que querendo ou não, é a única coisa sensata que podemos deduzir da vida]
Atualmente, essa é uma verdade subversiva, pois implica a vacuidade da política. A boa política é medíocre e improvisada, mas, no inicio do século XXI, o mundo está apinhado de grandiosas ruínas de utopias fracassadas. [bastante oportuno e esclarecedor] Com a esquerda moribunda, a direita tornou-se o abrigo da imaginação utópica. O comunismo global foi seguido pelo capitalismo global. As duas imagens do futuro tem muito em comum. Ambas são horrendas e, felizmente, quiméricas.
A ação política veio a ser um substituto para a salvação, mas nenhum projeto político pode salvar a humanidade de sua condição natural. Por mais radicais que sejam, os programas políticos são modestos expedientes concebidos para lidar com males recorrentes. Hegel escreve em algum lugar que a humanidade só se contentará quando estiver vivendo num mundo construída por si mesma. Ao contrário, Cachorros de Palha argumenta a favor de uma mudança que se afaste do solipsismo humano. Os humanos não podem salvar o mundo, mas isso não é razão para desespero. Ele não precisa de salvação. Felizmente, os humanos nunca viverão num mundo construído por si mesmo.
John Gray, maio de 2003.

Comentário
Que choque de realidade, incrível como o autor nos defronta com um realismo frio e inevitável. O homem não pode construir um mundo perfeito para ele, ele nunca será um Deus aqui na terra. Fazemos parte de um ecossistema limitado, no qual somos apenas uma parte pequena dele. O homem não evolui, o acumulo de conhecimento adquirido por ele será inevitavelmente sua ruína, pois torna sua destruição, a cada dia, mais fácil e barata de ser executada. A evolução tecnológica não acompanha seu crescimento moral e ético.
Chegamos a um ponto extremo de desequilíbrio com o planeta que será cobrado em breve. Como disse em alguns artigos atrás, o planeta não suporta mais a praga humana e seu crescimento descontrolado.

3 comentários:

  1. O Humanismo é um conceito amplo para ser minimizado a uma religião.Podemos encontrar significados como "filosofia moral" ou "movimento intelectual" que lhe caem bem melhor.O autor quis, de certo, provocar os ateus e agnósticos humanistas ao colocá-los como seguidores involuntários de uma suposta religião.
    O progresso é outro conceito tão amplo, ao meu ver, que deve ser analisado de maneira segmentada.Acho que podemos afirmar sem medo de errar que a humanidade evoluiu, não somente em tecnologia, mas moralmente sim, mesmo que relativamente. Não como indivíduos isoladamente mas como um todo.De que modo? Através dos códigos e leis que defendem a "integridade" do indivíduo nacional e internacionalmente (Código de Direitos Humanos).Sabemos que ele não é amplamente aplicado no mundo, isso seria ingenuidade e desinformação, mas também não podemos negar que existe hoje uma "supervisão" internacional sobre atrocidades cometidas a seres humanos.Podemos até dizer que ter o conceito de atrocidade bem estabelecido já é um avanço tendo em vista na história da humanidade atrocidades em larga escala aceitas socialmente, como a escravidão.
    O ganho de uma geração só é perdido na outra se considerarmos indivíduos isoladamente, descordo dessa idéia quando tratamos de humanidade e sociedade. Os ganhos sociais não são perdidos.
    Acho que o homem tem o poder de salva o mundo de si mesmo, e deste o mundo precisa sim ser salvo, só não estou certa da capacidade humana de escolher o bem estar coletivo em detrimento do individual.
    Muitos assuntos...

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  2. Bem, concordo com alguns pontos, mas discordo quando diz que o homem tem o poder para alguma coisa, esta visão é uma visão determinada pela cultura, e é ilusória. O homem não tem poder para determinar sua vida em um ecossistema, pois o meio é muito maior que ele. Concordo, também com o autor, quando diz que o homem não evoluíu em moral e ética, o conhecimento evolui, as leis evoluem, ou seja, as coisas que suportam o homem evoluem mas ele não, pois é um animal que possuem 99% de suas ações determinadas pelo instinto e pelo meio. Nos próximo capítulos ele vai mostrar isto. Não temos controle sobre nossas ações. A consciência somente aparece após as ações e portanto é também ilusória.

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  3. Quem elabora as leis? Se as leis evoluem é lógico que aqueles responsáveis por elas também o fazem.Os homens são responsáveis pelo aquecimento global, efeito estufa,consequentemente, derretimento de geleiras, catástrofes naturais com derramamento de óleo no mar, extinção de rios por represamento, extinção de espécies animais (de outros animais) e mesmo assim não é capaz de mudar seu destino no mundo? Tem certeza?
    Ações rápidas antecipam-se ao raciocínio mas não agimos o tempo todo desta forma. Decidimos os caminhos que trilhamos e tomamos decisões conscientes.O instinto existe mas não comanda toda nossa vida, caso contrário bastaria aos homens comida, dinheiro e mulheres, como o próprio autor coloca, não?

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