Com um estilo bem parecido aos textos do Peixinho Doido, apresento abaixo a fábula do Passarinho, muito legal, vale a pena uma leitura com atenção.
A Liga sempre busca a liberdade em todos os sentidos, e textos que procuram libertar nossos desejos e que nos impulsiona para alguma experiência nova sempre será estimulado.
Estou começando a leitura sobre Linguagem, muito interessante, virão textos nas próximas semanas.
Boa leitura.
Era uma vez um passarinho que vivia em uma linda gaiola dourada. Ele tinha aparentemente uma vida invejável. Todos os dias lhe era servida uma boa alimentação, água límpida e sua gaiola era sempre limpa e posta em lugar fresco e agradável. Nos dias de sol ele era levado para fora da casa e ele se aquecia e cantava. Nas noites frias era posto com sua gaiola em lugares protegidos do vento. O passarinho parecia viver contente até o dia em que passou a observar outros passarinhos que não viviam em gaiolas e pareciam mais alegres do que ele. Eles cantavam mais, voavam livres e escolhiam os galhos onde pousar. O passarinho observou também, que os outros passarinhos procuravam no chão e nos galhos a sua comida, parecia às vezes que desprezavam muitas coisas que pegavam para tomar outras um pouco mais distantes no galho de outra arvores. Tinham vários frutos, mas nem de todos eles comiam. Aquela desenvoltura, aquela liberdade, encantou o passarinho que passou também a querer aquela vida. Seria ótimo se pudesse voar também como os outros, cantar com eles e a noite voltar para a sua gaiola. Mas o dono da gaiola não aceitava isso e ele passou a pressionar a porta da gaiola.
À medida que aumentava sua vontade de voar como os outros, parecia-lhe menos agradável a vida que levava, parecia-lhe menos importante o fato de poder estar na gaiola à noite.
Visto seu visível descontentamento na gaiola ele foi passado para um viveiro. Lá estavam muitos passarinhos que viviam como ele, e estavam satisfeitos com o conforto que tinham, apesar de terem visto outros passarinhos livres. Alguns passarinhos do viveiro até achavam ruim a vida dos outros que viviam na árvore.
“Não temos que correr e até brigar por uma minhoca para sobreviver, porque temos o melhor alpiste” – dizia um.
“Nem que voar distâncias incríveis atrás de água” – dizia outro
Mas o que atraía o nosso passarinho era a liberdade. Agora, além da vontade de viver voando com os outros na árvore, nascia nele à vontade de provar aos outros do viveiro, a sua capacidade de voar como os “das árvores”.
Eis que, depois de muitas dúvidas e tentativas, o passarinho saiu do viveiro. Só que talvez por falta de sorte, não saia em um daqueles dias de sol como eles pensava; naqueles dias em que todos cantam e brincam nas árvores.
O dia estava nublado e o passarinho que nunca havia precisado se preocupar com o tempo, não tinha a experiência de saber se o sol voltaria a parecer ou se iria cair uma tempestade. Nesse dia ele teve de se preocupar em buscar um lugar que não ventasse muito.
O outro dia amanheceu mais claro, e o passarinho com fome saiu em busca de alimentos. Mas que dificuldade! Os passarinhos “das árvores” que muitas vezes lhe pareceu dividir os alimentos que encontravam, na verdade os disputavam, brigavam e para ele não deixavam senão os restos. A água que tinha encontrado seguindo os outros tinha um gosto horrível, muitas daqueles frutas que ele imaginava serem desprezadas pelos passarinhos livres, numa escolha de sabor, não eram digeridas por serem intragáveis ou estarem apodrecidas e para seu desespero, a tarde aconteceu-lhe uma coisa terrível: foi apedrejado. Ele desconhecia totalmente o perigo, não sabia que se caçavam passarinhos de badoque, de espingarda e até mesmo de pau.
Apavorado, mal alimentado e decepcionado, voltou ao viveiro. A água ele pode tomar do lado de fora. Que sabor! Que diferença para aquela do charco? A comida, alguns dos passarinhos do viveiro trouxeram até a tela. Todos queriam saber das notícias, muitos prontos para lhe dizer: “Eu não falei!” outros: “está vendo, que eu não passo por uma desta!” a porta estava fechada e o passarinho dormiu fora, e sentiu frio, vendo os outros bem instalados dormirem tranqüilos.
Quando amanheceu, o passarinho tinha de decidir se entrava quando o dono do viveiro viesse mudar a água, ou se ficava fora. A qualidade dos alimentos o atraía, o conforto não tinha comparação e a segurança imensurável. Mas tinha a aceitação da derrota a amargar. Tinha a aceitação das normas do viveiro, que passariam a ser mais desagradáveis, visto o desencanto de mudar, mas tinha algo mais forte, mais válido: a liberdade, pequena, frágil ainda, porém conquistada e a esperança de encontrar água mais limpa numa fonte, frutos melhores em outros pomares, e de construir um ninho em um lugar protegido do vento e da chuva.
Quando o dono do viveiro, satisfeito de vê-lo de volta, trazido por suas necessidades, quando os outros passarinhos esperavam por sua entrada, o nosso passarinho voou, mais alto que o dia anterior e para mais longe.
Nunca mais voltou ao viveiro. Dizem alguns que ele inexperiente sucumbiu com uma pedrada de um menino travesso, outros dizem que ele morreu envenenado ao comer uma semente ruim, outros que ele morreu de sede, mas têm outros que dizem, e eu acredito nestes, que o passarinho aprendeu a escolher os seus alimentos, a fugir do perigo e com ajuda de outro construiu um ninho a beira de um regaço.
Deraldo Gonzaga Pitombo
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