quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Zaratustra – Nietzsche – Prólogo – Capítulo VI

Texto na Integra:
VI
Mas algo então se passou que fez emudecer as bocas e arregalar os olhos. É que, nesse ínterim, o funâmbulo tinha dado início a seu trabalho: saíra de uma pequena porta e estava caminhando sobre a corda estendida entre duas torres, e consequentemente suspensa sobre a praça e a multidão. Achava-se exatamente a meio de seu percurso, quando a porta de novo abriu e nela apareceu um indivíduo todo pintado à maneira dos bufões, que se pôs a seguir o primeiro a passos largos. “Vamos, mais depressa, ó paralítico”, gritava com sua voz terrível, “anda, seu preguiçoso, seu impostor, vil aprendiz! Cuidado, que te vou pisar o calcanhar! Que fazes aqui entre as torres? Lá dentro delas é que é o teu lugar, lá deviam te encerrar para não estorvares o caminho de quem é melhor que tu!” A cada palavra mais se aproximava do outro. Quando estava a apenas um passo dele, aconteceu a coisa terrível que fez emudecer as bocas e arregalar os olhos. Deu um uivo diabólico e saltou por cima daquele que lhe impedia o caminho. Ora, este, vendo seu rival triunfar, perdeu a cabeça e a corda; largou a vara de equilíbrio, e, mais rapidamente do que esta, num rodopiar de braços e pernas, mergulhou no vazio. A praça e a multidão pareciam um mar fustigado pela tempestade. A multidão espalhou-se em atropelo, fugindo do local onde o corpo devia vir se espatifar.
Só Zaratustra permaneceu imóvel; o corpo caiu bem ao seu lado, todo disforme, mas ainda vivo. Após um momento, o homem recuperou os sentidos e viu Zaratustra ajoelhar-se junto dele. “Que fazes aqui?”, disse enfim, “Há muito que sabia que o diabo me daria uma rasteria. E agora, ele me arrasta para o inferno. Acaso podes impedi-lo?”
“Amigo, juro-te pela minha honra”, respondeu Zaratustra, “que isso de que falas não existe: não há nem diabo nem inferno. Tua alma morrerá ainda mais depressa que teu corpo. Agora já não tens o que temer!”
O homem ergueu os olhos, desconfiado. “Se dizes a verdade”, disse então, “nada perco por perder a vida. E não passo de um animal a quem ensinaram a dançar à custa de pancadas e magros bocados.”
“Não”, disse Zaratustra, “fizeste do perigo o teu ofício; não há nada de desprezível nisso. Morres vítima de tua profissão. Por isso, quero te sepultar com minhas próprias mãos.”
Depois dessas palavras de Zaratustra, o moribundo não mais respondeu; moveu apenas a mão como se procurasse a de Zaratustra para agradecer-lhe.

Comentários:

Vamos resumir um pouco o esquema montado por Nietzsche até agora:

DEUS + VONTADE DE POTÊNCIA NEGATIVA + FORÇAS REATIVAS = HOMEM
MORTE DE DEUS + VONTADE DE POTÊNCIA NEGATIVA + FORÇAS REATIVAS = ÚLTIMO HOMEM
MORTE DE DEUS + VONTADE DE POTÊNCIA AFIRMATIVA + FORÇAS ATIVAS = SUPER-HOMEM

Agora o autor vem expressar mais uma possibilidade.

MORTE DE DEUS + VONTADE DE POTÊNCIA NEGATIVA + FORÇAS ATIVAS = HOMEM SUPERIOR

Nesta possibilidade encontramos um homem sem criação de valores mas louvável pois sua moral não é apoiada por uma fé religioso. Se não tem fé não significa que não tenha leis.
Assim, nem engrandecido (como o super-homem), nem apequenado (como o último homem) pela morte de Deus, continua-se a respeitar os valores tradicionais, e, transpondo o catecismo para um código de saber-viver supostamente leigo, age-se em nome desse código.
Mas precisamos criar valores, esta é a função do homem, ou super-homem para Nietzsche, e estes valores precisam de uma vontade afirmativa, sem isto o homem sempre caminhará ao fracasso.

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