segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Zaratustra – Nietzsche – Prólogo – Capítulo V

Texto na Integra:
V
Depois de pronunciar estas palavras, Zaratustra considerou de novo a multidão e se manteve em silêncio. “Ei-los diante de mim”, disse consigo mesmo, “e ei-los que riem. Não me compreendem , não sou a boca que convém a esses ouvidos.
Será preciso antes furar-lhes os ouvidos para que aprendam a ouvir com os olhos? Será preciso retumbar como os tambores e os sermoneiros da quaresma? Ou só acreditam naquele que gagueja?
Há algo de que se orgulham. Como chamam a isso de que se orgulham? Cultura, é como lhe chamam, e é por ela que se distinguem dos guardadores de cabras.
Por isso não gostam de ouvir a palavra “desprezo” usada contra eles. Vou antes falar-lhes ao orgulho.
Para tanto, devo falar do que há de mais desprezível: do ultimo homem.”
E assim falou Zaratustra à multidão:
“É chegado o tempo de o homem estabelecer a sua meta. É chegado o tempo de o homem depositar na terra o grão de sua esperança mais alta.
Seu solo é ainda bastante rico para isso. Mas um dia esse solo estará tão pobre e exaurido, que nele nenhuma àrvore de porte poderá mais crescer.
Ai de vós! Eis chegado o tempo em que o homem não mais lançará a flecha de seu desejo para além do homem, o tempo em que a corda de seu arco terá desaprendido de vibrar!
Eu vos digo: é preciso ter caos ainda dentro de si para poder gerar uma estrela piscante. Eu vos digo: ainda tendes caos dentro de vós.
Ai de vós! Eis que chega o tempo em que o homem não poderá mais dar á luz uma estrela. Ai de vós! Eis que chega o tempo do mais desprezível dos homens, aquele que nem é mais capaz de desprezar-se a si mesmo.
Vede! Eu vos mostro o último homem.
‘Que é o amor? Que é a criação? Que é o desejo? Que é uma estrela?’ Assim pergunta o último homem com um piscar de olhos.
Eis que a terra encolheu-se e sobre ela saltita o último homem, que amesquinha tudo. Sua espécie é indestrutível, como a dos pulgões; o último homem, o que perdura mais tempo.
‘Inventamos a felicidade’. Dizem os últimos homens com um piscar de olhos.
Abandonaram as regiões onde era difícil viver; pois precisam de calor. Ainda amam seu vizinho e a ele se aconchegam, pois precisam de calor.
Adoecer e desconfiar, para eles é pecado; avança-se com cautela. Insensato aquele que ainda tropeça em pedras ou em homens!
De quando em quando, um pouco de veneno: traz sonhos agradáveis. E muito veneno, no fim, para se morrer agradavelmente.
Trabalham ainda, pois o trabalho é uma distração. Mas ficam atentos para que esse divertimento não os canse.
Ninguém fica mais nem pobre nem rico: é algo penoso, tanto para um quanto o outro. Quem ainda deseja governar? Quem ainda deseja obedecer? São ambos consativos demais.
Nenhum pastor e um só rebanho? Todos querem o mesmo, todos são iguais. Quem sente de maneira diversa se condena ao hospício.
‘Outrora, todo o mundo era louco’, dizem os mais astutos, com um piscar de olhos.
Estamos bem avisados, sabemos tudo o que acontece. Por isso, não paramos de escarnecer. Acontece ainda discutirmos, mas logo nos reconciliamos – as brigas fazem mal ao estômago.
Temos nossos pequenos prazeres diurnos e nossos pequenos prazeres noturnos; mas cuidamos da saúde.
‘Inventamos a felicidade’, dizem os ultimos homens com um piscar de olhos.”
Com isso teve fim o primeiro discurso de Zaratustra, também chamado prólogo, pois os gritos de júbilo da multidão o interromperam nesse ponto: “Dá-nos esse ultimo homem, Zaratustra”, gritavam eles. “Faz de nós esses ultimos homens, que te daremos o super-homem de presente!” E a multidão inteira se rejubilava e estalava a língua. Mas Zaratustra, tomado de tristeza, assim falou consigo:
“Não me compeendem: não sou a boca que convém a seus ouvidos.
Sem dúvida passei muitos anos na motanha, a escutar demais riachos e as arvores, e agora lhes falo como a guardadores de cabras.
Minha alma está serena e clara como a montanha ao amanhecer. Mas eles me tornam por um cínico, um zombeteiro de sinistras ironias.
E, então, olham para mim e riem; e rindo, também me odeiam. Há um gelo no seu riso.”

Comentários:
A chegada do super-homem implica necessariamente na morte de Deus, ou na derrubada dos valores, para o autor é preciso destruir o homem para construir outro. No entanto este processo não é simples e pode fazer com que o homem se torne um ser sem valores, ou seja, o último homem.
O último homem é aquele que destruiu o homem, os valores religiosos e cristãos, mas não é capaz de criar uma nova moral nem novos valores.
O super-homem nega Deus de forma afirmativa, para criar uma nova metafísica, o ultimo homem nega Deus de forma negativa, apenas para destruí-lo. Para o ultimo homem se Deus não existe tudo é permitido e neste sentido não há nenhuma razão para se proibir tornando o homem vazio.
O autor está neste momento descrevendo uma etapa na transformação do homem no super-homem, nesta etapa de destruição de valores o homem precisa ter mente que este destruição ocorre para a criação de uma outra, quando isto não acontece o homem torna-se o último homem, e como Nietzsche diz, o mais desprezível dos homens, pois não coloca nada no lugar, nenhum homem pode viver sem valores. Para o último homem tudo é permitido, ele não tem virtudes, não tem justiça, não tem sabedoria, tudo torna-se material e efêmero, ele transforma a felicidade em algo passageiro e ilusório baseado nos desejos.
O ultimo homem torna-se tão cético de tudo que não é capaz de desprezar-se a si mesmo, pois isto não é capaz de criar nada novo.

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