quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Zaratustra – Nietzsche – Prólogo – Capítulo III

Texto na Integra:
III
Assim que chegou à cidade mais próxima, na orla da floresta, Zaratustra encontrou muita gente reunida na praça principal, para ver um funâmbulo que fora anunciado. E Zaratustra dirigiu-se assim à multidão:
“Eu vos proponho o super-homem. O homem é algo a ser superado. O que fizeste para isto?
Até então, todos os seres imaginaram algo superior, acima de si mesmos, e vós quereis ser acaso o reverso desse grande fluxo, preferindo antes voltar ao animal do que chegar ao super-homem?
O que é o símio para o homem? Objeto de riso ou ignomínia. E é justamente isso que o homem deve ser para o super-homem: objeto de riso ou ignomínia.
Já fizeste o caminho que vai do verme ao homem, mas ainda há muito de verme em vós. Outrora fostes símios, contudo ainda hoje o homem é mais símio que qualquer dos símios.
O mais sábio entre vós não passa de um conflito, um ser híbrido entre a planta e o espectro. Porventura ordenei que vos tornásseis espectro ou planta?
Vede, eu vos ensino o super-homem!
O super-homem é o sentido da terra. Fazei dizer à vossa vontade: que o super-homem seja o sentido da terra!
Eu vos conclamo, irmão, permanecei fiéis à terra e não acrediteis nos que vos falam de esperanças ultraterrenas! Não passam de envenenadores, conscientes ou não.
São gente que despreza a vida, seres agonizantes, igualmente intoxicados, dos quais a terra se cansou. Que eles, pois, desapareçam!
Outrora, a ofensa a Deus era a maior das ofensas, mas Deus está morto, e com ele morreram seus detratores. O terrível, agora, é injuriar a terra, pois seria dar mais valor às entranhas do insondável que ao sentido da terra!
Outrora, a alma olhava o corpo com desprezo, e esse desprezo era o que havia de mais sublime. A alma queria o corpo magro, horrendo, faminto. Pensava, assim, sobrepor-se a ele e á terra.
Oh, mas essa alma era também magra, horrenda e faminta, e a crueldade era toda a sua volúpia!
Mas vós, irmão, dizei-me: que vos informa o vosso corpo sobre vossa alma? Não é ela miséria, imundície e reles bem-estar?
Em verdade, um rio imundo é o homem. E só o mar pode absorver um rio imundo sem macular-se.
Qual o mais sublime experiência que poderíeis viver? É a hora do grande desprezo. Essa hora em que mesmo para vós a felicidade se transforma em náusea, e bem assim vossa razão e vossa virtude.
A hora em que dizeis: “Que é afinal minha felicidade? Simplesmente miséria, imundície e reles bem-estar. Ora, minha felicidade devia ser a própria justificação de minha existência!”
A hora em que dizeis: “Que é afinal minha virtude! Ela ainda não me fez revoltado. Como estou farto de meu bem e de meu mal” aqui só há miséria, imundice e satisfação grosseira!”
A hora em que dizeis: “Que é afinal a minha justiça? Não me sinto um carvão em brasa. Ora, o justo é um carvão em brasa!”
A hora em que dizeis: “Que é afinal a minha compaixão? A compaixão não é a cruz onde se prega aquele que ama os homens? Ora, minha compaixão não cruscifica!”
Já falastes assim? Já gritasse assim? Ah! Por que ainda não vos ouvi gritar assim?
Não é vosso pecado, mas vossa medida que brada aos céus, é vossa avareza no pecar que brada aos céus!
Mas onde está o raio que vos virá lamber com sua língua? Onde a loucura de que deveríeis inocular-vos?
Vede, eu vos ensino o super-homem: ele é esse raio, essa loucura!”
Ao terminar Zaratustra de falar assim, alguém exclamou na multidão: “Já ouvimos demais sobre o funâmbulo, queremos agora vê-lo!” E toda a multidão se riu de Zaratustra. Quanto ao funâmbulo, acreditando que estas palavras lhe dissessem respeito, logo se preparou para iniciar o seu trabalho.

Comentários:
Não posso deixar de falar sobre minha admiração deste capítulo de Nietzsche, somente ele poderia descrever tão bem o que é uma vida religiosa que transforma o homem em mero expectador do mundo e da vida.
Com isto ele anuncia um novo homem com as responsabilidades da superação e da direção de sua própria vida. A chegada do super-homem é o clímax do pensamento de Nietzsche em Zaratustra.
O que é afinal o super-homem? Vamos estabelecer algumas características do dele de acordo com o retirado do texto acima:
Ø Não crê no além, recusa a existência de Deus;
Ø Acredita na Terra;
Ø Recusa o dualismo entre bem e mal, céu e terra, mundo divino e terreno;
Ø Diz sim a vida, sim ao ser, sim a vontade de criar e de criar-se a si mesmo;
Ø Grande desprezo a moral vigente baseada na idéia de divino (bem e mal), de caráter pobre, temeroso e frágil;
Ø Felicidade como justificação da própria existência e finalidade da vida;
Ø Despreza a razão, Nietzsche quer desprezar as decisões previsíveis, esperadas e sem risco da razão, a razão e a ciência estão preocupadas com a segurança, uma verdade clara, não quer conhecer, quer tranqüilizar, querem um mundo previsível, lógico, onde o acaso não tem lugar nenhum;
Ø Despreza a virtude
Ø Despreza a Justiça
Ø Despreza a compaixão
Zaratustra mostra seu desprezo com a moral vigente e busca libertar o homem das amaras religiosas e científicas, recusa a religião moralizante e culpabilizante.
Outro ponto importante é que o autor começar a delinear algo novo na história da filosofia, que apenas evidenciamos assimilações superficiais na realidade e que em cada época as verdades se modificam, assim como o mundo, assim como as leis naturais, etc. Para Nietzsche mais importante que o “Ser” é o “Querer”, isto é chamado de vontade de potência.
Começa aqui meus problemas com a psicologia. Em geral, os psicólogos buscam a verdade no ser, no “eu” interior, na personalidade única de cada indivíduo, e acho que o foco está totalmente errado (os psicólogos vão me matar, mais a discussão é importante, sempre).
Para mim, assim como Nietzsche escreveu, o que importa não são nossos problemas, nem em nosso “eu”, o problema está justamente no querer de cada indivíduo, o foco deve ser direcionado no querer, no onde queremos chegar e não no problema em si. Por exemplo, as vezes vemos um individuo com muitos problemas pessoais mudar radicalmente apenas por ter entrado em alguma religião ou Igreja, isto acontece por que ele mudou o querer, este deveria ser o foco dos psicólogos, e aí está minha maior crítica a eles.
E que venham as críticas dos psicólogos.

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