quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Realidade x Ilusão: em busca da felicidade

Esta discussão é antiga, inclusive já foi tema de um artigo aqui do blog (http://ligadavirtude.blogspot.com/2009/05/ignorancia-e-felicidade.html), porém como é muito subjetivo o conceito de felicidade vamos alongá-lo um pouco mais e discutir outras possibilidades ainda não contempladas no artigo anterior.
O autor do livro Cachorros de Palha, que é nossa leitura atual, levanta alguns pontos intrigantes, num deles comenta que o conhecimento não é importante e jamais trará felicidade ao homem, ele parte da premissa que como não há evolução humana, nem individual, o conhecimento não pode tornar o homem mais capacitado a ser feliz, o “ser” filosófico, ou o “eu” psicológico, não existem, ou pelo menos para a grande parte de nossas ações. Nosso pensamento é condicionado e totalmente material. O “ser” consciente representa muito pouco de nossas vidas e de nossas ações, pesquisas recente falam em algo em torno de 1%, ou seja, 99% de nossas ações são coordenadas pelo inconsciente, que é a percepção sensorial que adquirimos do meio, não há interferência individual neste processo, portanto somos condicionados a agir em 99% de nossas ações. Para o autor não há o livre-arbítrio para a quase totalidade de nossas vidas.
A vida da mente é como a do corpo, é comportamental. Pensamos que nossas ações expressam nossas decisões. Mas em praticamente toda a nossa vida, a vontade não decide nada. Nossas ações são formadas sobre uma estrutura quase infinitamente complexa de hábitos e habilidades. A noção de si mesmo nos humanos não é expressão de nenhuma unidade essencial. É um padrão de organização que não difere daquele encontrado em colônias de insetos, por exemplo.
Não quero parecer prepotente, entretanto já comentei anteriormente que a maior parte da população humana não consegue se desvencilhar deste comportamento, e podemos dizer que são 100% determinadas pelo meio, poucas são as pessoas que são mais que uma coleção de percepções de seu inconsciente. Estamos programados para perceber uma identidade em nós, mas ela é ilusória, uma construção frágil, que pode ser destruída por uma febre ou na loucura, e podemos deixá-la ou esquecê-la em estado de latência quando estamos absorvidos em ação.
Veja este trecho de um texto de Chuang-tsu, filósofo e poeta que viveu na china antes de cristo:
Se “A vida é um sonho” significa que nenhum ganho é duradouro, também implica que a vida pode ser impregnada com o maravilhamento dos sonhos, que andamos a deriva espontaneamente, através de eventos que seguem uma lógica diferente daquela de inteligência cotidiana, que medos e arrependimentos são tão irreais quanto esperanças e desejos.
Se não há livre-arbítrio então será muito difícil conseguir felicidade em conhecimento, já que este não é responsável por 99% do nosso cotidiano. Então como podemos ser felizes?
Bem, alguns filósofos da antiguidade, não tinham a verdade como meta, buscavam um estado de tranqüilidade apenas em suas buscas, sua meta era a paz interior. O objetivo da filosofia era a serenidade que advém de se ficar livre do mundo.
Não podemos fugir de algumas ilusões, pois somos governados pelo inconsciente, então o máximo que podemos fazer é tentarmos descobrir quais ilusões podemos controlar. Não podemos ter a esperança de uma vida sem ilusão, isto é impossível, e indissociável da vida humana, porém podemos tentar identificar e nos livrar de algumas, e assim, controlarmos o 1% das ações conscientes. Lembram daquela frase: “Carpe diem”. Pois é, somente podemos viver momentos de consciência individual e devemos buscá-los ao máximo, fora isto somos apenas animais condicionados.
A ilusão é parte integrante em nossas vidas e não podemos nos livrar dela, então devemos tentar ser felizes com ela, não podemos fugir da realidade e da condição comportamental humana. Sugiro neste caso, um mix das duas palavras:
A felicidade seria um contemplar de ilusões passageiras controladas, em parte, por uma consciência individual frágil, porém presente nos momentos decisivos.
Não vejo tristeza nem pessimismo nisto, vejo desafio, vejo coragem, vejo um meio de vivermos um pouco uma individualidade mutável, passageira e finita. Vejo mais um motivo para vivermos todos os momentos como únicos. Vou aperfeiçoar meu antigo lema, A VIDA É UMA SÓ, para um outro mais adequado: OS MOMENTOS SÃO UNICOS.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Cachorros de Palha – 2º capítulo: O Engano (2ª parte - FINAL)

Platão identificava a realidade última como o que é percebido por humanos em seus momentos de máxima consciência, sendo um axioma, desde Descartes, que o conhecimento pressupõe atenção consciente. Contudo, sensação e percepção não dependem de consciência, muito menos de autoconsciência tendo em vista que elas existem por todo o reino animal e vegetal. Mesmo em seres nos quais a consciência é altamente desenvolvida, a percepção e o pensar, normalmente, acontecem sem consciência. [Importante esta parte, pouca gente percebe isto].
A maior parte do conhecimento adquirido é proveniente da percepção subliminar e as coisas que nos vem em consciência são apenas frações do que já sabemos de maneira inconsciente. Quase todos os nossos afazeres diários são realizados sem atenção consciente, nossas maiores motivações não estão no consciente e os atos mais criativos da vida da mente acontecem sem ser notados. Muito pouco do que tem conseqüência em nossas vidas requer consciência e muito do que é vital só acontece na ausência dela. [Vejam bem isto, de acordo com o autor nossa consciência não tem poder de processar nossas ações, inclusive é provado por pesquisas, portanto 99% de nossas ações são providas pelo inconsciente].
Outros animais diferem dos humanos na ausência da sensação de si mesmos a qual pode ser tanto uma deficiência quanto um poder já que a mais exímia pianista não é aquela mais consciente de seus movimentos quando está tocando e o melhor artesão pode não saber como opera.
Argumentos contra o livre-arbítrio avolumaram-se com o apoio da pesquisa científica de Benjamin Libet a qual mostrou que o impulso elétrico que inicia a ação ocorre meio segundo antes de tomarmos a decisão consciente de agir. Nós nos concebemos como deliberando sobre o que fazer e, imediatamente após, fazendo, mas, na verdade, nossas ações são iniciadas inconscientemente em quase todos os momentos de nossas vidas. O cérebro nos prepara para a ação, então temos a experiência de agir.
A conclusão da experiência neurocientífica é que não podemos ser autores de nossos atos, contudo, o responsável por esta pesquisa conservou algum livre-arbítrio através da noção de veto (capacidade da consciência de adiar ou abortar um ato que o cérebro iniciou). A questão é que nunca poderemos saber quando (ou se) exercemos o veto, tendo em vista que nossa experiência subjetiva é frequentemente, talvez sempre, ambígua. [muito legal isto, nosso livre-arbítrio apenas tem o poder de veto, bastante interessante isto, não tinha a menor noção disto]
Quando na iminência do ato, não somos capazes de predizer o que faremos, mas ao avaliarmos a decisão tomada veremos que foi “um passo num caminho ao qual já estávamos confinados”.
Consideramos nossos pensamentos como eventos que nos acontecem em alguns momentos e em outros como atos próprios sendo o sentimento de liberdade e o livre-arbítrio, consequentemente, truques de perspectiva.
Schopenhauer acreditava no caráter intrínseco e inalterável dos homens, contudo, para Gray esta idéia surge da necessidade que temos em buscar explicações para nossos atos dentro de nós mesmos.
Pensamos que nossas ações expressam nossas decisões, mas a vontade não decide quase nada em nossas vidas. Não podemos acordar ou adormecer, lembrar ou esquecer os sonhos, evocar ou banir pensamentos a partir de uma decisão nossa. [Seriam estas ações citadas realmente decisivas no curso de nossa história? Não decidimos lembrar ou esquecer, mas decidimos investir em um negócio ou não, escolhemos ciências exatas ou humanas, refletimos sobre nossas escolhas antes de decidir e trilhamos nosso caminho mesmo sem poder escolher lembrar dos nossos sonhos - Marcela]. [No entanto estas decisões correspondem a 1% ou menos de nossas ações e, portanto acabam sendo consequência das ações anteriormente executadas pelo nosso inconsciente, não acha? – Carlos].
Segundo Gray, resistimos à idéia de que nosso self consciente sofre, apenas, pequena influência da atenção consciente por este fato parecer nos privar do controle sobre nossas vidas. No entanto, isto não significa que sejamos governados por instinto ou hábito e, sim, que passamos nossas vidas lidando com as situações que nos ocorrem.
Buscamos continuidades em nossas ações, frequentemente imaginárias, porque estamos programados para perceber identidade em nós mesmos quando, na verdade, existe apenas mudança. A noção de si mesmo é um efeito colateral da falta de refinamento da consciência; a vida interior é muito sutil e transitória para ser conhecida em si mesma.
Por Marcela Costa

Comentários de Carlos: simplesmente adorei este capítulo, vale a pena comprar o livro apenas por este capítulo, todo psicólogo deveria ler, tudo muito novo para mim, mas encaixa-se perfeitamente na Teria da Seleção Natural de Darwin. Sempre tive esta ambiguidade de ideias: somos animais, no entanto não conseguia explicar a complexidade do pensamento e justamente o livre-arbítrio. Existem animais que também tem consciência de si mesmo, então o homem apenas tornou isto mais complexo. Nossa consciência se dá apenas depois de tomada as decisões, que louco isto, temos apenas o poder de veto. Acho que agora fechou o ciclo do homem, mais uma vez pode parecer pessimista esta abordagem, mas quem disse que a realidade é linda e maravilhosa, temos que aprender a viver e buscar a felicidade dentro da realidade e não vivermos na ilusão, apesar deste ultimo ser bem mais fácil e divertido. Estou escrevendo o texto prometido no artigo anterior, bem complexo o tema.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Cachorros de Palha – 2º capítulo: O Engano (1ª parte)

Neste capítulo o autor questiona a idéia de que a “consciência, noção de si e livre-arbítrio são o que nos define como seres humanos” sendo que, segundo Gray, controlamos muito pouco do que mais prezamos e muitas das nossas decisões mais importantes são tomadas sem nosso conhecimento. Para ele, o domínio consciente da própria existência é algo inalcançável para os indivíduos, logo inviável para a humanidade.
Ao passo que classifica como irracionais as crenças sobrepujantes em Deus e na humanidade, lança o questionamento sobre qual sentido daremos às nossas vidas caso estejamos dispostos a abdicar das esperanças do cristianismo e do humanismo, mesmo sendo estas esperanças vazias.
Segundo Schopenhauer, principal pólo questionador citado neste capítulo, a filosofia era governada por preconceitos cristãos e o Iluminismo foi apenas uma versão secular do principal equívoco do cristianismo : a idéia de que somos bem diferentes dos outros animais. Para este filósofo, somos iguais a todos os outros animais, no íntimo, a individualidade não passa de uma ilusão e, assim como os outros animais, somos encarnações de uma Vontade Universal – energia [supostamente] responsável por dar vida a todas as coisas no mundo.
Davi Humer, filósofo escocês do século XVIII, também questionou a capacidade humana de ter consciência de si e do mundo argumentando que ao olharmos para dentro de nós mesmos veremos apenas feixes de sensações. Como saber, deste modo, o que é real se só podemos conhecer os fenômenos que a experiência nos propicia?
Jomhn Gray afirma que grande parte dos filósofos trabalhou para dar sustentação ás crenças de seu tempo, Schopenhauer foi uma exceção. Aceitando a idéia de que o mundo é incognoscível, conclui que tanto o mundo quanto o homem que imagina conhecê-lo fazem parte de uma espécie de sonho, sem nenhuma base na realidade.
Se para Kant apenas poderemos dar sentido á nossa experiência moral quando acreditarmos que somos um self autônomo e dotado de vontade livre, para Schopenhauer nossa experiência real consiste em estarmos sendo levados por necessidades corporais, como medo, fome e, principalmente, sexo. De acordo com este, o sexo “é o fim último de quase todo esforço humano.”
“Gostamos de pensar que a razão guia nossas vidas, mas a própria razão é apenas a atormentada serva da vontade. Nossos intelectos não são observadores imparciais do mundo mas particularmente ativos. A imagem que moldam dele nos ajuda em nossas dificuldades.”
Para Gray, se deixarmos para trás o cristianismo, temos que desistir da idéia de que a história humana tem algum significado. Se acreditarmos que os humanos são animais, não pode haver algo como a história da humanidade, apenas vidas de humanos particulares. [Não é contraditório afirmar que a individualidade é uma ilusão e a história coletiva não existe? Se não somos seres individuais e também não fazemos parte de um grupo -humanidade- o que somos afinal?]
A idéia de que a história tem que fazer algum sentido é apenas um preconceito cristão. Buscar significado na história é como buscar padrões nas nuvens. Nenhuma vida humana, ou de qualquer outro animal, tem significado que vá além de si mesma.
Filósofos de Platão a Hegel interpretaram o mundo como um espelho do pensamento humano enquanto, mais recentemente, Heiddeger e Wittgenstein afirmaram que o mundo, na verdade, é uma construção do pensamento. Estas duas idéias diferem pouco entre si e da mais antiga das filosofias – o Idealismo. Para os idealistas o pensamento é a realidade final e não há nada que seja independente da mente, o que significa que o mundo é uma invenção humana.

Por Marcela Costa

Comentários de Marcela: Se cada ser humano tem sua visão parcial do mundo a partir do conhecimento adquirido de experiências particulares, então não existe uma realidade universal. Não há uma verdade e sim várias verdades, cada uma tão verdadeira quanto as outras. Caberia, deste modo, a cada ser humano buscar sua verdade através da consciência de si que lhe seja possível alcançar.

Comentários de Carlos: é realmente muito difícil aceitar o óbvio, incrível como não conseguimos nos enxergar como meros e apenas animais. Surgiu a pergunta: o que somos afinal? Somos animais, criativos mas extremamente predadores e destruidores, e como animais seguimos a lei da seleção natural como qualquer outro ser vivo, portanto não temos livre-arbítrio em 99% de nossas ações (no próximo artigo será melhor explicado). O significado de nossas vidas é ela mesma, não tem mais nada depois. O homem não consegue se ver assim, a filosofia também não consegue isto, nenhum filósofo admitiu esta possibilidade, apesar de estar diante deles. Meu favorito Nietzsche por exemplo, chegou perto, mas criou a figura do super-homem e assim caiu no mesmo abismo que os outros. Não vejo isto com pessimismo, existem coisas maravilhosas que podemos fazer em nossas vida quando realmente temos consciência que ela é única, e vou tentar demonstrar isto no próximo artigo que estou começando a escrever: Realidade x Ilusão: em busca da felicidade.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Cachorros de Palha – Capítulo 1 – O humano

Gostaria de destacar que o local das reuniões da LV está sendo preparado, acho que a partir de outubro poderemos ter nossas reuniões quinzenais com muito vinho. Sugiro que este livro seja base das primeiras reuniões, ou talvez seja muito determinista para um começo, vamos ver. Neste capítulo o autor destrói a espécie humana, olhem o primeiro parágrafo:
“Atualmente, a maior parte das pessoas pensa que pertence a uma espécie que pode ser senhora de seu destino. Isso é fé, não ciência...”
O que o autor quer dizer é que espécies, como os humanos, por exemplo, são aglomerados de genes interagindo aleatoriamente com o ambiente e, portanto não é senhora de seu destino, quem determina sua existência não é seu cérebro nem seu conhecimento.
Humanismo é uma crença no progresso e acreditar nisto é imaginar que os humanos podem se libertar dos limites que constrangem a vida de todos os seres vivos da terra. De acordo com o autor embora o conhecimento humano continue a crescer, o animal humano permanecerá o mesmo: uma espécie inventiva mais também predadora e destrutiva.
A crença no humanismo não possui relação com Darwin, já que não há progresso na teoria da seleção natural, apenas adaptabilidade, ela traz a crença do controle que é apenas uma visão secular do cristianismo, ou seja, os humanistas tentam mais não conseguem se separar de seu maior inimigo. O destino das espécies é determinado por mutações que não são feitas de forma consciente por nenhum Deus, acontecem aleatoriamente e não podem ser controladas.
O homem se espalhou pelo mundo e tornou-se uma espécie patogênica, ou seja, que tem contribuído para a destruição do mesmo. De acordo com Lovelock existem quatro possíveis conseqüências da primatemaia disseminada de alguma espécie em relação às outras:
1) Destruição dos organismos patogênicos
2) Infecção crônica
3) Destruição do hospedeiro
4) Simbiose (duradoura relação de benefício mútuo entre o hospedeiro e o invasor): esta é a menos provável, a humanidade jamais iniciará uma simbiose com a terra.
No entanto para o autor a destruição do organismo patogênico, o homem no caso, se dará justamente pela via mais valorizada hoje em dia, a tecnologia. As novas tecnologias de destruição em massa são baratas e o conhecimento incorporado é gratuito. É impossível impedir que se tornem cada vez mais facilmente disponíveis.
O que o autor quer demonstrar é que o homem jamais dominará a terra, e sua atividade predatória irá destruí-lo de uma forma ou de outra. A ciência e o conhecimento não possuem ética, este não é seu papel, portanto o acúmulo de conhecimento e tecnologia irá proporcionar ao homem formas de se autodestruir. Outra coisa interessante é que a natureza já tem buscado sua forma de se proteger do homem, a queda vertiginosa na taxa de natalidade em grande parte do mundo já pode ser considera uma resposta para infestação de humanos no planeta.
Escrevi uma vez sobre o início do processo de extinção do homem, vale à pena dá uma olhada: http://ligadavirtude.blogspot.com/2009/06/seremos-todos-cyborgs.html
Pode parecer duro, mas se nos livrarmos desta visão de Deus que nossa cultura nos impregnou podemos enxergar exatamente o que diz o autor, o homem é uma espécie sem controle e destruidora atualmente e não irá mudar isto, pois não evoluiu em ética ou moral, apenas em conhecimento. Ele termina o capítulo justamente com a frase:
“Céu e terra não têm atributos e não estabelecem diferenças tratam as miríades de criaturas como cachorros de palha”

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Cachorros de Palha – Prefácio – 2º parte

Segue a segunda e ultima parte do prefácio do livro Cachorros de Palha – John Gray.
Em [ ] meus comentários.

Prefácio – 2º e última parte
Entre filósofos contemporâneos, é uma questão de orgulho ser ignorante em teologia. Por conseqüência, as origens cristãs do humanismo secular raramente são compreendidas. No entanto eram perfeitamente claras para os seus fundadores. No inicio do século XIX, os positivistas franceses Henri Saint-Simon e Auguste Comte inventaram a Religião da Humanidade, uma visão de uma civilização universal baseada na ciência; o positivismo tornou-se o protótipo das religiões políticas do século XX. Através do impacto que tiveram sobre John Stuart Mill, fizeram do liberalismo o credo secular que é hoje. [o pior é que sou um dos maiores defensores do liberalismo] Através da profunda influencia que exerceram sobre Karl Marx, ajudaram a moldar o “socialismo científico”. Mas ironicamente, pois Saint-Simon e Comte eram críticos ferozes do laissez-faire econômico, também inspiraram, no final do século XX, o culto do livre mercado global. Contei essa história paradoxal, e com freqüentes traços de farsa, em meu livro Al-Qaeda e o significado de ser moderno.
O humanismo não é ciência, mas religião [olhem só a afirmação dele] – a crença pós-cristã de que os humanos podem fazer um mundo melhor do que qualquer outro em que tenham vivido até agora. Na Europa pré-cristã assumia-se que o futuro seria igual ao passado. O conhecimento e a invenção poderiam avançar, mas a ética permaneceria basicamente a mesma. A história era uma série de ciclos, sem nenhum significado geral. [não tinha a menor idéia disto, sempre imaginamos um mundo em progresso, assim como a humanidade, isto está tão entranhado em nossa cultura que não conseguimos enxergar o contrário]
Contra essa idéia pagã, os cristãos entenderam a história como uma narrativa sobre o pecado e a redenção. O humanismo é a transformação dessa doutrina cristã da salvação em um projeto de emancipação humana universal. A idéia de progresso é uma versão secular da crença cristã na providencia. É por isso que era desconhecida entre os antigos pagãos. [tudo isto é novo para mim, na verdade ainda tenho minhas dúvidas nesta afirmação, o homem tem dentro de si uma vontade muito grande em se superar e isto o levar a acreditar no seu progresso, pode ser enganoso, mas não é totalmente uma imposição da herança cristã]
A crença no progresso tem uma outra fonte. Na ciência, o crescimento do conhecimento é cumulativo. Mas a vida humana, como o todo, não é uma atividade cumulativa; o que se ganha numa geração pode ser perdido na próxima. Na ciência, o conhecimento é um bem puro; na ética e na política, tanto pode ser um bem quanto um mal. [ vejam bem aonde ele quer chegar] A ciência aumenta o poder humano – e amplia as imperfeições da natureza humana. Ela nos permite viver mais e ter padrões de vida mais elevados do que no passado. Ao mesmo tempo, permite-nos causar destruição – uns aos outros, e à própria Terra – numa escala jamais vista.
A idéia de progresso baseia-se na crença em que o crescimento do conhecimento e o avanço das espécies caminham juntos – se não agora, pelo menos a longo prazo. O mito bíblico da Queda do Homem contém a verdade proibida. O conhecimento não nos torna livres. [contradiz todos os meus textos no blog] Ele nos deixa como sempre fomos, vítimas de todo tipo de loucura. A mesma verdade é encontrada no mito grego. A punição de Prometeu, acorrentado a uma rocha por ter roubado o fogo dos deuses, não foi injusta.
Se a esperança no progresso é uma ilusão, como – pode-se perguntar – haveremos de viver? A pergunta parte do princípio de que os humanos podem viver bem apenas se acreditarem que tem o poder de refazer o mundo. [falta idéia de esperança eterna que temos] No entanto a maior parte dos humanos que já existiram não acreditava nisso – e um grande número teve vidas felizes. A questão presume que o objetivo da vida seja a ação, mas isso é uma heresia moderna. Para Platão, a contemplação era a mais elevada forma de atividade humana. Uma idéia semelhante existia na Índia antiga. O objetivo da vida não era mudar o mundo. Era enxergá-lo corretamente. [o autor acaba de jogar um balde de água fria em mim, sempre tive a idéia de que viver a vida por viver era inútil e ignorante e que o conhecimento nos liberta. Percebam que o autor é inteligentíssimo e extremamente pessimista em relação à história humana. Ele nos relega o papel de apenas outro animal na terra, que querendo ou não, é a única coisa sensata que podemos deduzir da vida]
Atualmente, essa é uma verdade subversiva, pois implica a vacuidade da política. A boa política é medíocre e improvisada, mas, no inicio do século XXI, o mundo está apinhado de grandiosas ruínas de utopias fracassadas. [bastante oportuno e esclarecedor] Com a esquerda moribunda, a direita tornou-se o abrigo da imaginação utópica. O comunismo global foi seguido pelo capitalismo global. As duas imagens do futuro tem muito em comum. Ambas são horrendas e, felizmente, quiméricas.
A ação política veio a ser um substituto para a salvação, mas nenhum projeto político pode salvar a humanidade de sua condição natural. Por mais radicais que sejam, os programas políticos são modestos expedientes concebidos para lidar com males recorrentes. Hegel escreve em algum lugar que a humanidade só se contentará quando estiver vivendo num mundo construída por si mesma. Ao contrário, Cachorros de Palha argumenta a favor de uma mudança que se afaste do solipsismo humano. Os humanos não podem salvar o mundo, mas isso não é razão para desespero. Ele não precisa de salvação. Felizmente, os humanos nunca viverão num mundo construído por si mesmo.
John Gray, maio de 2003.

Comentário
Que choque de realidade, incrível como o autor nos defronta com um realismo frio e inevitável. O homem não pode construir um mundo perfeito para ele, ele nunca será um Deus aqui na terra. Fazemos parte de um ecossistema limitado, no qual somos apenas uma parte pequena dele. O homem não evolui, o acumulo de conhecimento adquirido por ele será inevitavelmente sua ruína, pois torna sua destruição, a cada dia, mais fácil e barata de ser executada. A evolução tecnológica não acompanha seu crescimento moral e ético.
Chegamos a um ponto extremo de desequilíbrio com o planeta que será cobrado em breve. Como disse em alguns artigos atrás, o planeta não suporta mais a praga humana e seu crescimento descontrolado.